A REFLEXÃO MISSIONAL NA AMÉRICA LATINA

 

Jesus-e-os-pecadores

1.1 Considerações Iniciais

É perceptível que o chamado da igreja é para glorificar à Deus diante de toda a humanidade. A missão da igreja é um labor diário e prático; diário, pois a todo o momento lhe é dado a oportunidade de representar o sagrado em sua vivência, e prático, pois sua fala deve ser materializada pela ação representativa do chamado divino.

Antes de ser desenvolvida uma reflexão sobre a Teologia Latino-americana, é preciso pensar sobre o que é Teologia. De forma resumida pode-se descrever o termo Teologia como “pensar sobre Deus”. Neste sentido, quando se fala sobre uma “Teologia Latino-americana”, apresenta-se uma “forma de pensar” sobre Deus no contexto da América Latina.

Isto fica clarificado na fala de SANCHES[1] quando descreve que a Teologia Latino-americana é “aquela forma de teologia que se faz a partir da América Latina”. Para a autora, existem certos pressupostos que devem ser pontuados; há duas variantes de uma Teologia Latino-americana: A Teologia da Libertação, apresentada no contexto católico e protestante ecumênico, como também, a Teologia da Missão Integral – o objeto de estudo neste segundo momento deste artigo – e que segundo a autora, é representada pelo movimento protestante evangélico.

A necessidade de reflexão sobre a variante evangélica da Teologia Latino-americana, a Teologia da Missão Integral[2], está no fato de que, no contexto Latino-americano, ela tem se apresentado como “a forma correta de fazer teologia”. Neste sentido, é de suma importância testar teologicamente se de fato, suas propostas são “relevantes e integrais” para o contexto Latino-americano.

 

 

1.2 Definição da TMI

Segundo GONDIM[3], a Missão Integral é o movimento protestante que tem como objetivo resgatar a comunhão, segundo os moldes da igreja primitiva; promover ações ecumências (o bem-estar integral de todo o mundo habitado); como também proporcionar de forma profética, consciência moral e espiritual das nações e de seus governos.

Interpretar os anseios da TMI não é tarefa fácil. Para alguns, seu berço reflexivo foi o Congresso de Lausanne em 1974[4]. No entanto, segundo BARRO[5], a perspectiva de que o Reino de Cristo deveria ser manifestado “agora”, – e que é tema contínuo da TMI – cujo entendimento alcança a América Latina a partir da década de 1970, tem origem no contexto estadunidense quando se percebem as precárias condições dos trabalhadores e a acumulação de riquezas nas mãos de uns poucos. Estas questões, segundo o autor, entraram na pauta de alguns grupos eclesiásticos.

Entre os teólogos que faziam parte destes grupos, inicia-se um fomentar de reflexões sobre a Missio Dei; para eles, precisava-se pensar sobre Reino de Deus não apenas escatologicamente, mas considerá-lo como um Reino presente, pois este já era real na igreja. É este ajuntamento de reflexões que estimularam as formulações do Conselho Mundial de Igrejas, e que segundo BARRO, “sedimentaram a ideia de missão integral”.

Para SANCHES[6], o contexto que se origina a TMI inicia-se não apenas a partir dos movimentos missionários do evangelicalismo histórico, que foi enfatizado por BARRO, mas também dos movimentos realizados em terras latino-americanas, entre os séculos XIX e XX. Para a autora, é importante salientar que houve uma clara constatação de que os métodos precisavam ser reformulados, visto que o esforço missional optou claramente em uma fala que privilegiou apenas a alma humana nos conceitos de salvação e pecado.

É exatamente esta problemática que revela a necessidade da integralidade nos esforços missionais, pois segundo SANCHES, a “evangelização foi reduzida ao mero anúncio de uma mensagem, na maioria das vezes, descontextualizada e com a bagagem cultural dos missionários estrangeiros”.[7]

Concluindo estas primeiras considerações sobre a TMI, torna-se importante perceber que a origem dos esforços da cristandade em relação à justiça e igualdade humana, no contexto Latino-americano, que são de fato, o centro das formulações missionais da TMI, remonta à pelo menos quatro séculos antes de suas primeiras considerações sobre justiça e igualdade. Já em 1511, Bartolomeu de Las Casas, um clérigo católico, havia se levantado como um profeta que denunciava a injustiça deflagrada em direção aos índios, e que, segundo DUSSEL[8], por causa de sua profunda práxis, “poderia ser considerada como o nascimento da teologia da libertação latino-americana”.

Dito isto, pode-se perceber que o discurso da TMI em busca da justiça social não é algo inédito no contexto latino-americano, nem o é no contexto mundial. A historiografia da humanidade está repleta de exemplos de esforços em busca de justiça para os menos favorecidos. Neste sentido, o que se deve compreender é que o discurso da TMI não é único, original ou desconhecido.

1.3 Esforços Positivos da Teologia da Missão Integral

Considerando que a TMI constrói seu pensar teológico no contexto Latino-americano e a partir deste ambiente, há certas características do movimento que devem ser consideradas nas reflexões sobre o tema. Percebe-se que a TMI denuncia a redução da obra de Cristo ao âmbito soteriológico, isto é, incrimina o posicionamento da igreja contemporânea em seu pálido esforço evangelístico ao considerar que não há necessidade de ajudar o necessitado em suas mazelas vivenciais de forma plena e integral.

Clarificando este ponto, um evangelho que seja uma resposta tanto para o espírito, como para o corpo, não é o conceito vigente no âmbito eclesiástico atual, pois o produto da missão de Cristo no mundo está relacionado apenas à salvação da alma humana, e não na redenção de suas necessidades terrenas. Esta atenuação da esfera de alcance da salvação negligencia a obra completa da remissão em Cristo e levanta uma questão de suma importância: Qual a missão da igreja no mundo atual?

É preciso compreender que estes questionamentos não são de forma alguma, uma consciência gerada a pouco tempo. Denúncias sobre a injustiça estão aclaradas em todos os escritos proféticos. São recorrentes os esforços em busca de justiça por parte dos “ish ha Elohim”, os homens de Deus, que a todo o momento na história do povo de Deus denunciavam o distanciamento da justiça por parte dos poderosos.

Não somente nos escritos Vetero-testamentários esta realidade é exposta, o Apóstolo João, chamado Apóstolo do Amor, enfatizava que “quem não ama, não conhece a Deus” (Jo 4.7); e em relação à justiça, diz: “quem não pratica a justiça não é de Deus” (Jo 3.10).

Positivamente, a TMI tem denunciado a hermenêutica falha da igreja contemporânea em relação à sua Eclesiologia e Soteriologia. Resta a esta igreja do século XXI, rever suas interpretações e práticas, para que no Dia do Senhor não se envergonhe de não ter compreendido seu chamado integral.

1.4 As dificuldades teóricas e Práticas da Teologia da Missão Integral

Inicialmente, ao desenvolver-se uma reflexão sobre a TMI, a dificuldade que é encontrada está em sua primeira afirmação, a de “ser teologia”. Na comunidade da fé, o pensar em Deus, esta elaboração humana a partir da Revelação Especial do Sagrado, fundamenta-se exclusivamente na fala divina e não nas formulações humanas. Neste sentido, tudo que se auto denomina afirmativamente como a “forma correta de se pensar em Deus”, traz consigo inúmeras complicações.

BOFF, um dos maiores expoentes da Teologia da Libertação declara que:

Nenhuma tendência pode monopolizar a teologia e apresentar-se como a teologia. Em tudo o que se diz está o que não se diz. A razão (também a teológica) é finita. Por conseguinte, nenhuma geração de cristãos pode colocar e resolver todos os problemas que a fé apresenta. Disso se conclui que cada tendência teológica deve conhecer seu alcance e, sobretudo, seus limites […] Deve também estar disposta a aceitar outras formas de sistematizar a fé.[9]

O perigo em afirmar que determinado pensamento ideológico é o verdadeiro, revela-se claramente na história da humanidade; inúmeras atrocidades foram executadas com base em uma ideia tida como verdade absoluta. Para ROLDÁN[10], existe uma consequência em transformar a teologia em uma espécie de ídolo, segundo o autor, a “idolatria das ideias”, termo que empresta de Mackay, constrói um fanatismo que gera insensibilidade.

Evidentemente, as reflexões desenvolvidas por Alberto Roldán, criticam a Teologia Sistemática em sua tendência de substituir a verdade da Palavra Divina, no entanto, o mesmo pode-se dizer da predisposição da TMI em acreditar que é mais que um meio de se compreender com “maior profundidade”, a Verdade de Deus em Sua Palavra.

Um ponto importante abordado pelo autor em seu texto é que mesmo que sistematize-se a fé, que no presente artigo reflexivo diz respeito  à integralidade missional pregada pela TMI, deve-se ter em mente que existem influências filosóficas, sociológicas e culturais em qualquer sistematização, e por conseguinte, devem ser consideradas; sem dúvida alguma, toda tarefa reflexiva é tarefa revisável, pois nenhuma abordagem teológica é um “fato acabado”.[11]

Um dos maiores expoentes da TMI, René Padilha, retrata que quase todos seus escritos surgiram “no calor das circunstâncias” e por isso, carecem de fundamentos acadêmicos. Para o autor, “a maior desvantagem é que há o risco de improvisação e generalizações”.[12]

É importante pontuar também que Padilha é consciente de que o modelo de missão da TMI remonta a Jesus e à igreja do primeiro século[13], mesmo que a expressão “missão integral” tenha sido gerada no interior da Fraternidade Teológica Latino-Americana. Segundo o autor, ela foi uma tentativa de engendrar a missão da igreja de forma mais bíblica que a abordagem até então considerada como a tradicional, profundamente influenciada pelos moldes do movimento missionário moderno.[14]

Além da complexidade de se aceitar a TMI como “teologia”, sua autodenominação traz outras dificuldades. Apesar de sua afirmação de integralidade, a práxis da TMI não é tão integral assim. No intento de se afirmar como teologia contemporânea engajada com a justiça social, a TMI teve que escolher seu campo de batalha. Quando se pensa em integralidade, formulam-se imagens que contemplam o todo e não somente as partes. Neste sentido, a TMI fez sua escolha pelo “comprometimento com o social”.

Ed René Kivitz, em sua fala no CMESP (Conferência Missionária do Estado de São Paulo), cujo tema de sua palestra foi “uma igreja relevante para o homem pós-moderno”, declarou que a igreja precisa deixar de ser religiosa para ser mística; esta mesma igreja também precisava deixar de ser proselitista para ser dialogal e por fim, deixar de ser “evangelística” para ser diaconal.[15]

Percebe-se claramente uma tendência de se escolher, como falado anteriormente, um campo de batalha. Neste sentido, onde se pode contemplar sua integralidade? Se não há como escolher a integralidade da missão, no sentido de que a igreja deve se esforçar para compartilhar o evangelho, como também servir a sociedade com seus recursos, sejam quais forem necessários; como realizá-la de forma integral?

A verdade do Evangelho é incontestável; o mundo não pode ser transformado se as pessoas que vivem neste mundo não forem transformadas pelo Evangelho; as pessoas não mudam, a não ser que Jesus molde suas vidas.[16]

Neste sentido, a integralidade da missão de Deus inicia-se incontestavelmente na pregação das Boas Novas. A fé que transforma realidades não é uma fé carente de fundamentos. No entanto, a fala divina é clara neste sentido; é preciso materializar a fé, pois a fé sem obras é morta (Tg 2.26). Isto significa que o evangelho que gera transformação é o mesmo que gera ação, pois a integralidade envolve ambos os aspectos.

Segundo o Rev. Filipe Fontes[17], a TMI incorre no equívoco de identificar a evangelização com a ação social, isto é, ela especifica o evangelho com a misericórdia. No entendimento de Fontes, esta abordagem da TMI à leva a incorrer no risco de “marginalizar” o único tema que torna cristã a missão da igreja – o fazer discípulos. Isto é revelado pela clara tendência da TMI em “identificar ou substituir” o evangelho pela ação social.

No intento de ser “relevante”, os esforços da TMI se distanciaram da proposta original. Isto se deve ao fato de que no processo de construção de sua abordagem, perdeu-se fundamentos essenciais para a prática teológica. Como seus principais expoentes propõem, o compromisso da TMI é construído a partir do contexto cultural, o que revela sérios perigos na formulação de sua práxis.

É importante considerar que a bagagem teológica da igreja contemporânea não surge em um vácuo temporal. Ela tem história; esta história lhe é pertencente por direito, e por prerrogativas que lhes são inerentes, pois é divina, “o mistério que esteve oculto” se revela com um propósito claro – manifestar a multiforme sabedoria de Deus. (Ef. 3.10)

Dito isto, percebe-se uma incoerência na proposta da TMI. Enquanto ela vindica para si autoridade, abre mão da história da igreja, das formulações que se desenvolveram e assim construíram o ambiente teológico necessário para a prática cristã. No mesmo momento que se diz teológica, renuncia os fundamentos da reforma protestante em detrimento de formulações a partir de seu contexto histórico. O “pensar em Deus”, a ação teológica em si, fundamenta-se a partir da Revelação Especial de Deus, Sua Palavra. Neste sentido, como iniciar reflexões teológicas segundo contextos históricos?

Este é um erro de interpretação da TMI; não se devem trazer às Escrituras os pressupostos vivenciais para interpretá-la, pelo contrário, são os pressupostos contextuais que devem ser interpretados pelas Escrituras. Evidentemente a teologia deve ser contextualizada, no entanto, para aplicá-la corretamente, deve-se partir das considerações apresentadas pela própria Escritura.

Se a interpretação da TMI é uma explicação a partir de seu contexto, GONDIM[18] a acusa de produzir uma teologia que antes de ser bíblica, deseja ser holística, absorvendo as perspectivas das ciências humanas como a filosofia, sociologia, antropologia, como também, as ciências políticas. Neste sentido, partindo de sua falha hermenêutica, a TMI erra em seu diálogo com o mundo; ela tenta entender o mundo para então dialogar com ele; entretanto, todo pensar teológico inicia-se no correto entendimento da Vontade Divina, revelada das Escrituras, para então interpretar a realidade vivencial e dar respostas satisfatórias às mazelas encontradas.

Neste diálogo com o mundo Latino-americano, a FTL[19], segundo BARRO, escolheu caminhar, a partir de uma Cristologia e Soteriologia “renovadas”, construindo uma reflexão profundamente engajada com a justiça social e a ação política. Este comprometimento revelou-se como um dos maiores problemas levantados pela cristandade de raiz reformada: a aproximação da TMI com a ideologia marxista[20].

É importante perceber que a partir de uma tradição reformada, entendendo que a Reforma Protestante, antes de tudo, foi uma reforma interpretativa, o “pensar sobre Deus”, o “fazer teologia”, se desenvolve considerando suas fontes. A principal fonte da teologia é a Palavra de Deus e neste sentido, a TMI faz de suas fontes primárias o contexto vivencial e não a Fala Divina. Evidentemente a Teologia Reformada ouve a voz de outras ciências, no entanto, para fundamentar seu método teológico, as Escrituras Sagradas se revestem de exclusividade.

Deve ficar evidenciado que a TMI dialoga claramente com o marxismo, principalmente quando se observa em sua fala os mesmos termos cunhados pela ideologia marxista. Neste sentido, deve ser enfatizado sua tendência de simpatia à diversas ideologias. Esta é uma das dificuldades que estão relacionadas à TMI, seu pensamento é plural e os teólogos que fazem parte de seu movimento são de diversas matizes teológicas. Por esta postura pragmática, não se importa em estabelecer compromissos com qualquer tipo de tradição teológica, o que evidencia um método teológico falho ou até mesmo, inexistente.

Esta “Teologia Genérica” foi denunciada por CARVALHO[21] quando descreve que, no esforço da cristandade de desenvolver os ideais de Lausanne, e por envolver neste empreendimento, o empenho de diversas tradições protestantes, e de vários cristãos formados em distintos campos de conhecimento, foi produzido um “âmbito superficial”, um lugar vivencial que estaria produzindo um movimento de natureza universalizante. Os questionamentos que o autor constrói são de grande importância para a presente reflexão: como dialogar de forma produtiva neste contexto tão genérico? Como lidar com as divisões históricas representadas por estes pensadores?

Segundo o autor, a solução mais simples apresentada por alguns proponentes, seria “varrer a sujeira” para debaixo do tapete. Como a prioridade é proteger a “práxis missionária e pastoral”, deve-se evitar qualquer decisão teologica que comprometa esta este posicionamento protecionista.[22]

No entanto, de acordo com CARVALHO, este posicionamento gera uma teologia de baixo custo, acessível a todos os cristãos, e que seria conciliar à todas as tradições, “com apelo suficiente para mobilizá-los à ação”. Segundo o autor, isto gera novos problemas: 1) evita ser específica quando deveria ser, já que toda a tradição teológica cristã sempre foi; 2) em razão de sua superficialidade, é incapaz de apresentar soluções realmente bíblicas; 3) além de ser uma interpretação ingênua, é uma atitude intelectualmente imatura em relação à tarefa teológica e consequentemente à práxis desta tarefa.[23]

O resultado deste posicionamento da TMI revela que sua integralidade foi profundamente abalada pela renúncia e desinteresse de se fundamentar a partir da história teológica cristã, como também pelo seu interesse na aproximação ao Materialismo Histórico e sua tendência claramente dialética com este pensamento marxista.

1.5 Possibilidades de Convergências entre o Evangelho e a Ação Social

Possibilidades convergênciais sempre irão existir onde há diálogo. A existência da violência revela a falta de dialética. A violência não é necessariamente física, mas no contexto atual pode se materializar em posicionamentos que não estão dispostos ao diálogo, ao confronto.

O encontro entre o autêntico evangelho de Cristo e a verdadeira missão integral da Igreja Cristã, revelará que a fé que fundamenta a ação social é antes de tudo uma fé bíblica que nasce das Escrituras Sagradas, pois a “fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus” (Rm 10.17). Assim, como desenvolver ações que construam uma nova perspectiva da TMI? Como gerar impacto que transforme as vidas de forma integral e não apenas no âmbito social ou a partir dele apenas?

Possivelmente um primeiro passo em direção à esta convergência seja em considerar que é necessário recuperar o alvo da “Grande Comissão” de Cristo: fazer discípulos. Bosch afirma esta realidade ao declarar que:

“A evangelização é uma das dimensões essenciais da missão, e que ela é a proclamação da salvação em Cristo às pessoas que não creem nele, chamando-as ao arrependimento e à conversão, anunciando o perdão do pecado e convidando-as a tornarem-se membros vivos da comunidade terrena de Cristo e a começar uma vida de serviço aos outros no poder do Espírito Santo”[24]

Sendo assim, a ação missional deve ser coerente com seus fundamentos, sua amplitude alcança todas as necessidades e exigências humanas, e por isso, deve compreender que suas relações são integradas não sendo possível divorciar as esferas espirituais, materiais e sociais.[25]

Isto é descrito com clareza por Graham:

“Estou convencido de que, se a igreja voltasse à sua tarefa primordial de proclamar o evangelho e de converter pessoas à Cristo, ela teria um impacto muito maior nas necessidades sociais, morais e psicológicas dos homens do que qualquer outra coisa que pudesse fazer. Alguns dos maiores movimentos sociais da história se tornaram realidade porque homens se converteram a Cristo” [26]

             Em relação ao encontro do homem com o Cristo de Deus, torna-se importante evidenciar que o propósito de Cristo era resgatar o homem, primeiramente de sua situação relacional com Deus, isto é, restaurar o relacionamento do homem com Deus, e consequentemente as relações humanas entre si.

De acordo com Coleman, durante a estada do Salvador entre os homens, ele tinha como finalidade primordial “estar com seus discípulos”, era exatamente este o compromisso de Jesus com seus discípulos, e dos discípulos com Cristo – uma associação relacional – que revelou aos discípulos a necessidade de permanecer “Nele” para fundamentar a autoridade do ordenamento missionário, como da evangelização.[27]

Outro ponto de convergência que deve ser considerado é a desconstrução da dicotomia desenvolvida pela TMI de que a missão da igreja é necessariamente promover justiça social e não apenas evangelizar. Segundo Little[28], a Missão Integral erra em “não saber colocar as ações redentoras de Deus como prioritárias”.

Neste sentido, é importante entender que a justiça social é o resultado de uma humanidade resgatada pelo redentor. Uma humanidade que se encontrou com seu Criador e agora pode revelá-lo ao restante da criação. Não se trabalha para produzir justiça, ela é produto de um encontro singular: Cristo e o pecador. Segundo Rodrigues, aceitar que a pobreza humana seja apenas material é reduzir o conceito bíblico de que o pobre seja aquele que apenas não tem recursos; a urgência está em entender que, de acordo com os padrões bíblicos, a pobreza humana vai além de recursos materiais.[29]

O que fica evidenciado ao refletir sobre o relacionamento de Jesus com seus discípulos é que o Cristo de Deus estava mais interessado na formação de deles; Jesus se demorou como nunca o fez com outros grupos, inclusive os pobres, com seus discípulos. Para Ele era imprescindível que entendessem a realidade do Reino de Deus. Neste sentido é importante lembrar uma circunstância dentro deste contexto que foi vivenciada tanto por Jesus, como por seus discípulos; Jesus ao ser questionado sobre o “desperdício” do bálsamo derramado sobre Sua cabeça declarou-lhes que a pobreza era uma realidade humana (Mt 14.7).

É preciso reconhecer que o interesse de Jesus em relação à humanidade era que reconhecem Seu Senhorio e Sua Salvação, isto significa necessariamente que esse encontro com Cristo estabelece claras exigências para com os que o querem seguir – nascer de novo. Foi exatamente isto que aconteceu em seu encontro com Nicodemos, pois “se alguém não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus” (Jo 3.3).

Para Little, “a pior privação que alguém poderia ter é a alienação de Deus e o remédio para tal condição seria a conversão, sendo assim “o caminho mais seguro para promover transformação social é convertendo corações””.[30]

Pode-se concluir esta pequena reflexão sobre a TMI considerando que em suas propostas iniciais, ela estava apenas tentando encontrar um sentido em que os esforços da cristandade não se perdessem em conjecturas, o que é válido como esforço reflexivo. No entanto no desenvolver de seu pensamento, se encontrou distante dos fundamentos do método teológico construído a partir da Reforma Protestante, para então justificar suas proposições. Esta circunstância de distanciamento gerou alguns afastamentos que em um primeiro momento poderiam dar suporte aos seus anseios, como por exemplo, a contribuição da história interpretativa da igreja. Sua abertura quanto à todo tipo de ideologia para validar seus esforços, foi também motivo para que alguns grupos a percebessem com certa restrição.

Para corrigir os erros, é necessário um retorno aos fundamentos reformistas; é indispensável produzir reflexões sobre a justiça social, pautadas pela Revelação Especial de Deus, como também, abrir mão de certos pressupostos marxistas que tanto maculam seus esforços em direção da sinalização do Reino de Deus.

Evidentemente, a proposta da presente reflexão não se vê como exaustiva, tampouco completa, para produzir resultados imediatos. É objetivo destas reflexões apenas fomentar a formulação de novas propostas e considerações em direção ao cumprimento integral da Vontade Soberana de Deus em relação à humanidade. Dito isto, trabalhemos mais e mais para que o Senhor seja glorificado em nossas ações.

REFERÊNCIAS

BARRO, Antônio Carlos. Revisão do marco da Missão Integral. Disponível em: <http://formacaoredefale.pbworks.com/f/Revis%25C3%25A3o%2Bdo%2BMarco%2Bda%2BMiss%25C3%25A3o%2BIntegral_Antonio%2BCarlos%2BBarro.pdf.>  Acesso em 17 ago. 2015. 22:00:05.

BOSCH, David J. Missão Transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002.

CARVALHO, Guilherme Vilela Ribeiro de. A Missão Integral na Encruzilhada: Reconsiderando a tensão no pensamento teológico de Lausanne. Disponível em: < http://www.academia.edu/1063776/A_Miss%C3%A3o_Integral_na_Encruzilhada_Reconsiderando_a_Tens%C3%A3o_no_Pensamento_Teol%C3%B3gico_de_Lausanne&gt; Acesso em 18 Ago, 2015 as 10:20:50.

COLEMAN, Robert E. O Plano Mestre de Evangelismo. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.

DUSSEL, Enrique. Hipóteses para uma História da Teologia na América Latina. [S.l.: s.n., s.d.].

FERNANDES SANCHES, Regina. Teologia da Missão Integral. São Paulo: Reflexão, 2009.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

RENÉ PADILHA, C. O que é missão integral. Viçosa, MG: Ultimato, 2009.

RODRIGUES, Ricardo Gondim, A Teologia da Missão Integral: aproximação entre evangélicos e evangelicais. Disponível em: <http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2159&gt; Acesso em: 20 ago, 2015 as 14:23:40.

ROLDÁN, Alberto Fernando. Para que serve a teologia? Curitiba: Descoberta, 2000.

[1] Regina Fernandes Sanches, Teologia da Missão Integral, p. 15.

[2] A partir deste ponto, a Teologia da Missão Integral será descrita como TMI.

[3]Ricardo Gondin Rodrigues apud Arana em: A Teologia da Missão Integral: Aproximação e Impedimentos entre Evangélicos e Evangelicais, p. 56.

[4] Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado na cidade de Lausanne, Suíça em 1974. Muitos evangelicais da América Latina estavam presentes neste congresso. Ver BOSCH, 2002, p. 485.

[5] Antonio Carlos Barro, Revisão do Marco da Missão Integral, p.74.

[6] Regina Fernandes Sanches, Teologia da Missão Integral, p. 58.

[7] Ibid.

[8] Enrique Dussel, Hipóteses para uma História da Teologia na América Latina.

[9] Alberto Fernando Roldán apud Leonardo Boff em Para que Serve a Teologia, p. 53.

[10] Alberto Fernando Roldán, Para que serve a Teologia, p. 52.

[11] Ibid.

[12] René Padilha, O que é missão integral, p.7.

[13] René Padilha, O que é missão integral, p.13.

[14] Ibid.

[15] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=M6OXW_1Soes&gt; acesso em 17 Ago, 2015 as 22:00:01.

[16] Robert Coleman, Plano Mestre de Evangelismo, p.20.

[17] O Rev. Filipe Fontes fala sobre A Teologia da Missão Integral: Uma Reflexão Crítica à Luz da Teologia Reformada na 1ª Semana Teológica de 2015 do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=O76cEUwKARQ&gt; Acesso em: 18 Ago, 2015 as 22:54:01.

[18] Ricardo Gondin Rodrigues em: A Teologia da Missão Integral: Aproximação e Impedimentos entre Evangélicos e Evangelicais, p. 55.

[19] Fraternidade Teológica Latino-americana.

[20] Termo que designa tanto o pensamento de Karl Marx e de seu principal colaborador Friedrich Engels, como também as diferentes correntes que se desenvolveram a partir do pensamento de Marx, levando a se distinguir. por vezes, entre o marxismo (relativo a asses desenvolvimentos) e o pensamento marxiano (do próprio Marx). A obra de Marx estende-se em múltiplas direções, incluindo não só a filosofia, como a economia, a ciência política, a história etc.; e sua imensa influência se encontra em todas essas áreas. O marxismo é, por vezes, também conhecido como materialismo histórico, materialismo dialético e socialismo científico (termo empregado por Engels). Japiassu, 2001, p.126.

[21]Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, A missão integral na encruzilhada, p.27.

[22] Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, A missão integral na encruzilhada, p. 44.

[23] Ibid.

[24] David J. Bosch, Missão Transformadora, p.28.

[25] Ibid.

[26] David J. Bosch, Missão Transformadora, p.484.

[27] Robert Coleman, Plano Mestre de Evangelismo, p.35.

[28] Ricardo Gondim Rodrigues apud Little, A Teologia da Missão Integral, p. 116,117.

[29] Ibid.

[30] Ibid.

Fernando Maia

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